Quando o assunto é feedback, eu posso dizer que já errei muito. Principalmente pesando pro lado de não querer causar situações desconfortáveis e acabar não passando as mensagens corretas.

Esses erros me fizeram aprender algumas coisas que quero compartilhar com vocês. Vou fazer o possível pra esse post não ser mais um post entediante sobre feedback, e sim passar alguns aprendizados que foram bastante importantes pra mim, e também dicas que não vi em outros lugares.

1. Frameworks de feedback

Como todo nerd programador, me acostumei com a ideia de frameworks. Basicamente framework é uma solução pronta para um problema comum, para que você não fique quebrando a cabeça reinventando a roda. Fiquei feliz de descobrir, quando comecei a empreender, que fora da programação esse conceito também era usado.

SBI

Estruturar e organizar um feedback é um desses problemas, e é pra isso que é usado o SBI: Situation, Behavior, Impact (Situação, Comportamento, Impacto). Este framework te ajuda a comunicar seu feedback com fatos, e não opiniões. Isso evita tornar o assunto pessoal e também torna a discussão produtiva, passando a mensagem mais claramente.

É bem fácil de entender e aplicar: quando for comunicar um feedback, faça nesta ordem: descreva a situação a que o feedback se refere, e então descreva o comportamento da pessoa e então quais impactos puderam ser observados por conta desse comportamento. Exemplo: durante a reunião de planejamento de produto (situação), você interrompeu diversas vezes os desenvolvedores (comportamento). Isso inibiu os desenvolvedores e eles pararam de participar com ideias e sugestões (impacto).

Com isso, você e a pessoa que está recebendo a mensagem ficam alinhados em relação aos fatos relacionados ao feedback. Dali pra frente, caso seja apropriado, vocês podem começar a discutir um plano de ação pra essa oportunidade de melhoria.

Sinceridade Radical (Radical Candor)

Este framework foi desenvolvido pela Kim Scott, e ele descreve uma forma de classificar feedbacks. Ela parametriza a relação de liderança em o quanto você se importa com a pessoa (e ela percebe isso), e o quanto você está sendo direto e honesto com ela.

O framework demonstra que para ter feedbacks eficientes é preciso atingir a Sinceridade Radical (Radical Candor), uma situação em que você construiu uma relação de confiança e de preocupação com seus liderados, e assim consegue passar mensagens diretas e desafiar eles, sem ser mal interpretado ou precisar evitar falar sobre os problemas reais.

O melhor jeito de pensar sobre a Sinceridade Radical é entender as situações opostas a ela, por exemplo, a Empatia Ruinosa (Ruinous Empathy), em que você realmente se preocupa com a pessoa, mas elogia e se cala ao invés de desafiar e se comunicar claramente, para evitar conflitos. Ou a Agressão Desagradável (Obnoxious Aggression), em que você até faz os desafios e passa mensagens duras, mas como não se importa (ou não é percebido alguém que se importa), a pessoa se sente mais ofendida do que provocada para melhorar.

2. Feedbacks pontuais e frequentes

Os feedbacks funcionam melhor quando são frequentes e de preferência logo após o comportamento em questão. Por exemplo, uma boa forma de fazer é num papo rápido logo após o término da reunião.

Não precisa esperar a próxima reunião individual (1:1) ou, pior ainda, esperar o próximo ciclo de avaliação de performance. Todo mundo se beneficia se as melhorias forem feitas constantemente.

3. Pedir feedback é importante

Uma boa forma de criar o conforto para passar feedback é começar pedindo feedback. Perguntar coisas como o que você pode fazer pro trabalho do seu liderado ser melhor e mais produtivo, ou perguntar o que você fez nas últimas semanas que mais atrapalhou do que ajudou.

Mas é preciso estar de coração e mente abertos pra ouvir com atenção e não partir pra defensiva. O feedback dos seus liderados pra você é tão ou mais importante do que o seu pra eles.

4. Não dourar a pílula

Muitos artigos na internet comentam o feedback sanduíche: você começa o papo elogiando e falando o que a pessoa tem de qualidade, muitas vezes inclusive sobre o lado bom dos próprios comportamentos que você quer mudança. Aí vem um "mas..." e você parte pro feedback em si. Só que essa parte gera bastante desconforto, e pro papo não terminar desconfortável você prefere voltar pro assunto das qualidades da pessoa e assim volta a elogiar.

Esse sanduíche cria muito ruído na mensagem e não dá a importância que precisa ser dada ao feedback. Quem recebe essa mensagem acaba dando mais atenção pros elogios do que para as coisas que precisam ser mudadas.

Dar um feedback é, basicamente, comunicar uma situação desconfortável. E é desse desconforto que potencialmente vai sair um plano de melhoria. Abrace e entenda essa ideia, você vai se poupar de repetir algumas vezes seu feedback.

5. Feedback sobre aspectos culturais

Para muitas startups a cultura da empresa é um grande diferencial. Ajuda a atrair talentos, entender melhor os clientes e engajar os colaboradores. Se esse é o caso da sua startup, recomendo que você encare os problemas culturais da mesma forma que encara os problemas de performance.

Sua cultura é, entre outras coisas, um conjunto de comportamentos esperados das pessoas. E, se elas não adotam esses comportamentos ou, pior, têm comportamentos opostos ou desalinhados, elas precisam saber disso (individualmente, claro). Elas precisam saber disso da mesma forma que elas precisam saber se não estão performando bem.

É mais fácil tolerar desvios culturais do que desvios de performance. E quando você tolera, esse comportamento é copiado e propagado. O melhor jeito de parar isso é comunicando a importância da cultura e passando feedbacks frequentes sobre porque as pessoas estão de acordo com ela ou não.

Vou dar um exemplo pessoal: na 99 tínhamos uma cultura muito forte de respeitar nossos concorrentes. Quando alguém se referia aos nossos concorrentes de forma desrespeitosa, logo após a reunião eu conversava com a pessoa em particular no próprio corredor e explicava que essa não era a forma que fazíamos aqui. Geralmente esse comportamento vinha de pessoas novas no time que estavam acostumadas com a cultura da empresa anterior, e o feedback geralmente funcionava bem logo na primeira vez que era dado.

6. Dê feedback para seu sócio também

Eu tive a sorte de aprender muito com meus sócios. E uma parte desses aprendizados vieram através de feedbacks. É importante incluir seus sócios no conjunto de pessoas que você quer desenvolver.

Muitas vezes seus sócios são as únicas pessoas que vão ter a ousadia de te desafiar para crescer. E outras vezes, infelizmente, você só vai ouvir de verdade quando for seu sócio falando.

Algumas referências legais

Vou deixar aqui algumas referências legais que achei enquanto pesquisava sobre esse assunto.

Artigo sobre frameworks de feedback:

SBI:

Radical Candor (Kim Scott):